Tensão EUA-China e oferta de commodities favorecem as demandas do Brasil com chineses

Entre os dias 26 e 31 de março, o presidente levará à China empresários, parlamentares e ministros, respondendo a convite do líder chinês Xi Jinping

Luiz Inácio Lula da Silva, Joe Biden e Xi Jinping (Foto: Ricardo Stuckert | Reuters)

SÃO PAULO/BRASÍLIA (Reuters) – A viagem do presidente Luiz Inácio de Lula da Silva à China, entre 26 e 31 de março, encontrou uma situação geopolítica global favorável ao estreitamento das relações comerciais com o Brasil, em meio à tensão entre chineses e norte-americanos sendo acentuados por uma aproximação de Pequim com a Rússia.

Se a situação rememora como as exportações do Brasil foram beneficiadas pela guerra comercial China-EUA no passado, coincide também com um ano de safra recorde de soja brasileira, principal produto da pauta de exportação nacional que pode atender os chineses — maiores importadores mundiais — com certa folga, se houver alguma rusga mais grave entre eles e norte-americanos.

“Na soja, há expectativa de produção recorde de 150 milhões de toneladas… por conta do aumento da quantidade, isso deve evitar que os preços subam”, disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

A espera de grande colheita brasileira de milho, cujo mercado foi recém-aberto pelos chineses, sempre ávidos por matérias-primas, e uma temporada mais açucareira no Brasil em 2023, que garantirá oferta adicional necessária à China (maior importador do produto brasileiro), também ajudam a adotar as relações comerciais após desgastes deixados por posições anti-Pequim do governo Jair Bolsonaro.

“A deterioração da relação EUA-China pode criar espaço para uma aproximação comercial entre os dois países (Brasil e China), em algum cenário probabilístico… Vimos o que aconteceu durante a guerra comercial, abriu espaço para o Brasil como origem de commodities , em especial a soja”, disse o coordenador de Inteligência de Mercado da consultoria e corretora StoneX, Vitor Andreoli.

Entre 2018 e 2019, Pequim adotou contramedidas a tarifas de Washington e taxou produtos dos EUA como soja e carnes, o que desviou boa parte da demanda para o Brasil, que também teve naqueles anos boas safras.

No longo prazo há preocupação com a extrema dependência do Brasil em relação à China, lembra um analista que prefere falar sob anonimato, citando que a população do país asiático não cresce mais no mesmo ritmo como no passado.

No momento, porém, há algumas discussões que podem render frutos comerciais imediatos ao Brasil, como novas habilitações de frigoríficos de carnes e abertura do mercado ao farelo de soja brasileira, além da importância do caráter institucional da viagem, conforme também destacou André Nassar, presidente da Abiove, associação que reúne as tradings e processadoras de soja.

“O negócio se desgatou muito no governo anterior. O mais importante é sinalizar essas relações estáveis ​​(…), a possibilidade de ter agenda aberta de produtos, investimentos. Essa é a grande conexão dessa viagem”, segue Nassar, informando que fará parte da comitiva avançada que acompanhará o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, previsto para chegar ao país asiático dias antes de Lula.

Na última semana de março, o presidente levará à China empresários, parlamentares e outros ministros além de Fávaro, respondendo a convite do líder chinês Xi Jinping.

Nas agendas da missão em Pequim e Xangai, contudo, não há sinal de grande anúncio ou investimento até o momento, de acordo com uma fonte da equipe econômica. O mercado espera, pelo menos, a retomada das exportações de carne bovina após uma suspensão em fevereiro, por um caso atípico de “mal da vaca louca”.

Mas há expectativa de plenárias empresariais envolvendo empresas chinesas com investimentos no Brasil, como Sinopec (energia e química), China Three Gorges Corporation (energia), Cofco (agronegócios), Citic (financeiro), China General Nuclear Power Corporation (energia), China National Offshore Oil Corporation (petróleo). Do lado brasileiro, devem ser gigantes como Vale, JBS, Embraer, Suzano e outras.

LIDERANÇA GEOPOLÍTICA

Ainda, há expectativa de uma relação institucional mais “saudável” entre Brasil e China após o governo de Jair Bolsonaro, marcada por comentários “inadequados” do ex-presidente em redes sociais sobre os chineses, lembrou Andreoli, da StoneX.

Olhando para frente, como fornecedor confiável de outros produtos importantes importados pela China, que vão de carnes a minério de ferro e petróleo, a missão brasileira buscará que uma consolidação do Brasil como parceiro comercial mude o status geopolítico da nação sul-americana para os chineses , segundo a fonte da equipe econômica.

Sendo reconhecido como efetivamente líder regional, o Brasil quer barrar também ofensivas bilaterais chinesas na região, como conversas para um acordo comercial com o Uruguai que seriam “fatais” ao Mercosul.

(Por Roberto Samora e Bernardo Caram)